Olá, é um prazer ter sua companhia !

"Brincar com crianças não é perder tempo, é ganhá-lo; se é triste ver meninos sem escola, mais triste ainda é vê-los sentados enfileirados em salas sem ar, com exercícios estéreis, sem valor para a formação do homem."

( Carlos Drummond de Andrade )


terça-feira, 30 de novembro de 2010

Leitura compartilhada: Saber Viver

Com um estilo pessoal, ela foi poetisa e uma grande contadora de histórias das coisas de sua terra. A espontaneidade, o cotidiano e as imagens que retratam o povo do seu Estado, costumes e sentimentos, são temas constantes de suas publicações. Assim, sua obra é considerada por vários autores um registro histórico-social do século 20, especialmente da região do serrado do Centro-Oeste brasileiro, onde nasceu e morreu.




Cora Coralina, pseudônimo de Ana Lins de Guimarães Peixoto Brêtas, nasceu em 20 de agosto de 1889, no estado de Goiás (Goiás Velho). Filha de Jacinta Luíza do Couto Brandão Peixoto e do Desembargador Francisco de Paula Lins dos Guimarães Peixoto, cursou apenas até a terceira série do primário e iniciou sua carreira literária aos 14 anos, publicando seu primeiro conto "Tragédia na Roça", em 1910, no "Anuário Histórico Geográfico e Descritivo do Estado de Goiás".

Poeminha Amoroso

Este é um poema de amor
tão meigo, tão terno, tão teu...
É uma oferenda aos teus momentos
de luta e de brisa e de céu...
E eu,
quero te servir a poesia
numa concha azul do mar
ou numa cesta de flores do campo.
Talvez tu possas entender o meu amor.
Mas se isso não acontecer,
não importa.
Já está declarado e estampado
nas linhas e entrelinhas
deste pequeno poema,
o verso;
o tão famoso e inesperado verso que
te deixará pasmo, surpreso, perplexo...
eu te amo, perdoa-me, eu te amo...

Em 1903 já escrevia poemas sobre seu cotidiano, tendo criado, juntamente com duas amigas, em 1908, o jornal de poemas femininos "A Rosa". Era chamada Aninha da Ponte da Lapa e trabalhou como doceira, na cozinha da Casa da Ponte, produzindo seus versos ao pé do fogão. Considerava os doces cristalizados de caju, abóbora, figo e laranja, que encantavam os vizinhos e amigos, obras melhores do que os poemas escritos em folhas de caderno.

Virou Cora Coralina pois o pseudônimo era uma exigência para disfarçar a escritora, já que naquela época moça prendada não perdia tempo com manuscritos. O amor às letras foi o sustentáculo dessa mulher. Mesmo sofrendo preconceitos e dissabores ao longo da vida - que a atrasaram, mas não a impediram - ela decolou no mundo das palavras.


Em 1911 conheceu o advogado Cantídio Tolentino Brêtas, com quem fugiu para morar em Jaboticabal, São Paulo, onde nasceram seus seis filhos. O fato de Cantídio ser homem separado, com filhos do casamento e inclusive uma filha, fruto de romance com uma índia, não desanimou Cora, que inclusive ajudou a criar a filha. Em 1922, foi convidada por Monteiro Lobato para integrar-se à Semana de Arte Moderna,.mas seu marido a proibiu de participar de tal evento.

Aninha e suas pedras

Não te deixes destruir...
Ajuntando novas pedras
e construindo novos poemas.
Recria tua vida, sempre, sempre.
Remove pedras e planta roseiras e faz doces. Recomeça.
Faz de tua vida mesquinha
um poema.
E viverás no coração dos jovens
e na memória das gerações que hão de vir.
Esta fonte é para uso de todos os sedentos.
Toma a tua parte.
Vem a estas páginas
e não entraves seu uso
aos que têm sede.

Saraus literários ou não, Cantídio não gostava de ver a capacidade da mulher. A Cora ousada, que deixou para trás preconceitos sociais, pouco ligava. Publicava artigos nos jornais de Jaboticabal, construía poesias e costurava contos. Flagrada na cidade pela Revolução Constitucionalista de 1932, alistou-se como enfermeira - a filha mais nova, Vicência, encontrou a ficha de inscrição após a sua morte, perdida entre centenas de textos inéditos. Costurava bonés para soldados, uniformes e aventais para enfermeiras.

Das Pedras

Ajuntei todas as pedras
que vieram sobre mim.
Levantei uma escada muito alta
e no alto subi.
Teci um tapete floreado
e no sonho me perdi.
Uma estrada,
um leito,
uma casa,
um companheiro.
Tudo de pedra.
Entre pedras
cresceu a minha poesia.
Minha vida...
Quebrando pedras
e plantando flores.
Entre pedras que me esmagavam
Levantei a pedra rude
dos meus versos.

Com a morte do marido, Cora passou a se sustentar com a venda de livros, pela José Olympio Editora, a mesma editora que publicaria mais tarde o seu primeiro livro. Para ela, o valor de sua obra estava justamente na quietude vivida por muitos anos, nas dores e sentimentos de uma vida curtida pelo tempo. Voltou a morar em Goiás 45 anos depois, já produzindo sua obra definitiva. Seu reencontro com a cidade e as histórias de sua formação alavancaram seu espírito criativo. Tradições e festas religiosas, comidas típicas da região, famílias e seus "causos", tudo motivava a escritora a fazer uma ponte entre o passado e o presente da cidade, numa tentativa de registrar sua história e entender as mudanças. Com a mesma rica simplicidade de seus personagens, Cora fazia doces cristalizados para vender.

Eu Creio



Creio nos valores humanos
e sou a mulher da terra.
...
Creio na força do trabalho
como elos e trança do progresso.

Acredito numa energia imanente
que virá um dia ligar a família humana
numa corrente de fraternidade universal.

Creio na salvação dos abandonados
e na regeneração dos encarcerados,
pela exaltação e dignidade do trabalho.
...
Acredito nos jovens
à procura de caminhos novos
abrindo espaços largos na vida.
Creio na superação das incertezas
deste fim de século.

Aos 70 anos decidiu aprender datilografia para preparar suas poesias e enviá-las aos editores e, somente aos 76, conseguiu realizar o sonho de publicar seu primeiro livro, "Poemas dos Becos de Goiás e Estórias Mais". Sua apresentação ao mundo literário nacional aconteceu quase aos 90 anos, pelas mãos de Carlos Drummond de Andrade que durante muitos anos homenageou Cora em diversas cartas e publicações.

Carta de Drummond a Cora Coralina
Rio de Janeiro, 7 de outubro de 1983.
Minha querida amiga Cora Coralina: Seu "Vintém de Cobre" é, para mim, moeda de ouro, e de um ouro que não sofre as oscilações do mercado. É poesia das mais diretas e comunicativas que já tenho lido e amado. Que riqueza de experiência humana, que sensibilidade especial e que lirismo identificado com as fontes da vida! Aninha hoje não nos pertence. É patrimônio de nós todos, que nascemos no Brasil e amamos a poesia ( ...). Não lhe escrevi antes, agradecendo a dádiva, porque andei malacafento e me submeti a uma cirurgia. Mas agora, já recuperado, estou em condições de dizer, com alegria justa: Obrigado , minha amiga! Obrigado, também, pelas lindas, tocantes palavras que escreveu para mim e que guardarei na memória do coração.

O beijo e o carinho do seu
Drummond.

Desde então, sua obra, impregnada por uma profunda crença nos valores humanos e um real comprometimento com os mesmos, vem conquistando crítica e público.

Não sei...

Não sei... se a vida é curta...

Não sei...
Não sei...

se a vida é curta
ou longa demais para nós.

Mas sei que nada do que vivemos
tem sentido,
se não tocarmos o coração das pessoas.

Muitas vezes basta ser:
colo que acolhe,
braço que envolve,
palavra que conforta,
silêncio que respeita,
alegria que contagia,
lágrima que corre,
olhar que sacia,
amor que promove.

E isso não é coisa de outro mundo:
é o que dá sentido à vida.

É o que faz com que ela
não seja nem curta,
nem longa demais,
mas que seja intensa,
verdadeira e pura...
enquanto durar.

Entre as publicações de Cora Coralina estão: "Meu Livro de Cordel", "Vintém de Cobre", "Estórias da Casa Velha da Ponte", "O Tesouro da Casa Velha", "Os Meninos Verdes" e "A Moeda de Ouro que um Pato Engoliu", pela qual recebeu títulos e prêmios. Em 1983, lançou "Vintém de Cobre-Meias Confissões de Aninha", recebendo em seguida o Troféu Juca Pato da União Brasileira de Escritores, que a elegeu a Intelectual do Ano.

Ela era simples mas foi doutora "feita pela vida, pelo estudo incessante de tudo quanto aconteceu em seu derredor", palavras da reitora de Universidade Federal de Goiás. E Cora Coralina recebeu realmente o título de Doutora Honoris Causa daquela Universidade. Em 1984, foi reconhecida Símbolo Brasileiro do Ano Internacional da Mulher Trabalhadora pela FAO (Organização das Nações Unidas para agricultura e alimentação). Também entrou para a Academia Feminina de Letras e Artes de Goiás.

Ressalva

Este livro foi escrito
por uma mulher
que no tarde da Vida
recria e poetiza sua própria
Vida.

Este livro
foi escrito por uma mulher
que fez a escalada da
Montanha da Vida
removendo pedras
e plantando flores.

Este livro:
Versos...não
Poesia...não.
Um modo diferente de contar velhas estórias.

Cora Coralina faleceu em Goiânia a 10 de abril de 1985. A casa em que morava, construída por volta de 1770, foi transformada em museu depois da sua morte. Em 2001, o Rio Vermelho, que corta a cidade histórica, transbordou depois de uma forte chuva, destruindo toda a arquitetura histórica da cidade. Com a inundação atingindo a casa de Cora, o acervo do museu composto de cadernos com poemas e contos, ainda não publicados, cartas, móveis e objetos pessoais da escritora, foram seriamente danificados. Depois de pouco mais de um ano, novos investimentos garantiram a recuperação de pontos turísticos, incluindo a casa de Cora Coralina.






VISITE TAMBÉM, CASA DE CORA CORALINA


FONTE: LENDO E SONHANDO

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